A criação do ensino obrigatório

[postagem do blog Feliz no Lar]

[No final da postagem, estão os comentários da autora do blog]


O que se segue é uma tradução livre de um texto por Thom Hartman, cuja versão original podem ler aqui

Nos finais do século XIX Napoleão começou a avançar pela Europa, alcançando finalmente a Prússia, onde o seu exército voluntário de agricultores conseguiu derrotar os soldados profissionais do rei da Prússia. Esta humilhante derrota levou o rei da Prússia a criar, em 1819, pela primeira vez na história, o ensino obrigatório em nível nacional - e a fazer com que ele permanecesse.


A teoria dele, atribuída ao filósofo alemão Fichte, era que forçar as crianças a irem à escola desde pequeninas as tornariam mais leais, e receosas, ao poder do Estado do que à autoridade dos pais. Se não fossem à escola, pessoas armadas viriam-nas buscar; se elas, ou os pais, tentassem resistir, a polícia podia aprisioná-las ou matar os rebeldes pais. As crianças não eram parvas: sabiam que os pais não tinham outra escolha senão mandá-las para a escola e que, consequentemente, o Estado era mais poderoso que as suas próprias famílias. Fichte e o rei raciocinaram que estas crianças se iriam tornar bons soldados, respeitando o poder estatal.

Além disso, o rei queria soldados que não questionassem as suas ordens mas que imediatamente fizessem o que lhes era dito. Assim, o sistema escolar prussiano instituiu um sistema de “proibição de interrupções”. As crianças nem sequer podiam fazer uma pergunta sobre o tópico que estavam aprendendo a não ser que antes perguntassem, “posso fazer uma pergunta?”, pondo o dedo no ar e esperando autorização. Deste modo ficavam “corretamente socializadas”, ou seja, aprendiam a respeitar e a não questionar os detentores da autoridade.

O sistema foi criado para eliminar ou remover as ervas daninhas que hoje chamaríamos de comportamentos e perspectivas alternativas do cidadão comum. E, como resultado, todas as crianças - os produtos deste sistema escolar - teriam as mesmas opiniões sobre as “matérias consideradas importantes pelo Estado”. Isto agradou muito ao rei, que deste modo poderia decidir que matérias eram essas, e que opiniões deveriam as crianças formar.


Contudo, o rei não queria que os seus filhos, os futuros governantes do país, fossem sujeitos a esse tratamento. Eles iriam liderar e precisavam de adquirir competências como a liderança, a criatividade e a independência, e não a cega obediência. O rei também se apercebeu que os filhos dos comerciantes e dos funcionários públicos precisariam dessas capacidades, e que seriam menos eficazes se fossem processados pelo sistema do ensino público que ele tinha criado.

Assim, mandou criar um segundo sistema, um sistema paralelo ao ensino público. Ao primeiro sistema chamou “a escola do povo” (Volkshochschule), enquanto que ao segundo, onde a verdadeira instrução ocorreria, chamou simplesmente de "a verdadeira escola" (Realschule). Noventa e três por cento dos estudantes atenderiam a escola do povo, e os sete por cento que representavam a elite da nação e os futuros líderes atenderiam a verdadeira escola. [1]

A Realschule foi originalmente criada de um modo que seria provavelmente muito simpático. Havia uma ênfase na interação, na participação, na expressão de opiniões e ideias, no pensamento crítico e no treino para a liderança. Assemelhava-se em muitas maneiras a algumas das mais progressivas escolas “experimentais” que existem nos Estados Unidos e noutros locais.

Hoje em dia, o sistema da escola do povo e da verdadeira escola ainda existe na Alemanha.

No início, muitas comunidades americanas se juntavam, empregavam um professor e abriam uma escola. Contudo, não eram nem obrigatórias nem do Estado. Os pais pagavam o salário do professor e essas escolas seriam atualmente consideradas escolas privadas.



Com o crescimento e a industrialização dos EUA, e com a partida de muitos trabalhadores para os campos de batalha da guerra civil, foram precisos trabalhadores obedientes para as fábricas. Horace Mann foi à Prússia para ali observar o funcionamento das escolas (que tinham sido tão eficazes que o rei da Prússia lutou contra os franceses e retomou o seu país), e foi-lhe concedido um “doutoramento”, outra invenção prussiana.

Mann achava que o sistema prussiano do ensino público era a solução ideal para o aumento dos problemas sociais nos EUA: pensava que através dele conseguiria criar uma população mais homogênea, de trabalhadores obedientes com opiniões e valores semelhantes. Começou a fazer uma campanha para a criação de um sistema de ensino público obrigatório, especialmente entre os líderes industriais, sugerindo que se eles pudessem usar a sua influência política poderiam ajudar a resolver os problemas sociais e, ao mesmo tempo, obter trabalhadores melhores para as suas fábricas.

Contudo, o primeiro grupo a aceitar a ideia de Mann não estava interessado em fazer obras de caridade. Era uma organização protestante que andava muito alarmada pelo influxo de católicos irlandeses em Boston. Algo tinha de ser feito para introduzir o Estado nessas comunidades, ou um dia poderiam vir a adquirir bastante poder político para ameaçar a matriz protestante do poder político e econômico [2]. Assim, a cidade de Boston adotou o primeiro sistema de ensino público obrigatório nos Estados Unidos.


Ao trazer o sistema de ensino prussiano para os Estados Unidos, Horace Mann prestou um grande serviço ao governo e à indústria. Negligenciou, contudo, o sistema da verdadeira escola. Era suposto que as famílias com poder e posição teriam dinheiro para mandar os filhos para as escolas privadas, e por isso não havia necessidade de um sistema público de verdadeira escola. Também não queriam correr o risco das crianças espertas “das classes mais baixas” virem a ser educadas como colegas dos filhos da elite.

E assim temos hoje um sistema de ensino público cujo objetivo principal é a socialização dos nossos filhos. A obediência, a conformidade do rebanho, a submissão à autoridade do sistema e do professor são mais importantes do que a inteligência, a curiosidade ou a criatividade. Os que se deixam moldar são recompensados com boas notas. Aqueles que não submetem a sua vontade aos detentores do poder, os professores, são frequentemente esmagados. [3]

Esta é uma área onde - conscientes da história do sistema escolar - podemos começar a mudar as coisas. Hoje, muitos pais mandam os filhos para escolas privadas; mas nos Estados Unidos, mais de um milhão de famílias escolhem o ensino doméstico. A aprendizagem está disponível na internet. Com a proliferação destas alternativas seguir outro caminho é possível.[4]



Copyright o © 1999, 2000, 2001 por Thom Hartmann, todos os direitos reservados.


[Adaptado para o português do Brasil]

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Notas do blog Feliz no Lar, Andrea Patrícia:

[1] É sempre assim. Os filhos das pessoas de classes mais abastadas, dos poderosos, não frequentam as escolas comuns. Para eles, reservam-se as melhores escolas. E ainda há quem ache ruim que nós pais homeschoolers queiramos dar uma educação melhor para os nossos filhos. Por que essa gente não vai reclamar com os banqueiros, com os políticos, que deixam o povo na miséria educacional, em vez de reclamar de nós que queremos o melhor para nossas crianças?

[2] Que interessante. Estes líderes estavam ecoando as ideias de Lutero e Calvino, buscando controlar o povo, tentando impedir o crescimento dos católicos.

[3] Há farta documentação sobre este processo de emburrecimento das pessoas no livro de Charlotte Iserbyt, Deliberate Dumbing Down of America, que vai ser lançado em língua portuguesa. As "elites" globalistas querem emburrecer as pessoas (e estão conseguindo) para que eles possam dominar melhor. Querem uma classe de gente mal formada academicamente, que saiba somente o básico para apertar botões e fazer as tarefas que sobrarão para eles, as tarefas que os dirigentes não querem para seus filhos. Em vez de colaborar para educar os que querem ser educados, em dar oportunidades para as crianças mais inteligente e dotadas, eles preferem emburrecer todos, preparando bem apenas uma pequena parcela da população, para que mandem com punhos de ferro no restante emburrecido. Por isso também insiste-se tanto na tal "socialização", sempre para incutir valores igualitários, dando ênfase ao comportamento, fazendo com que a formação acadêmica de qualidade - e a melhor é a Educação Clássica - suma de vista, tornando mais fácil então dominar o povo.

[4] Sim, outro caminho é possível! Os pais devem voltar a tomar as rédeas da instrução, da educação de seus filhos, e não deixar que estes governos corruptos ditem o que deve ser feito com seus eles. O homeschooling é uma opção hoje, e daqui a pouco vai se tornar uma obrigação, tamanha a calamidade que atinge o ensino moderno.

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